Mais de uma vez andei a dizer, aqui mesmo, que o tempo é ficção. Em outro texto, um dia, afirmei que praticar literatura significa sobrepormos ficção e realidade, indo para além e para aquém do tempo, como digo agora - embora não saiba o que é agora!
Perco-me, mas me reencontro em Santo Agostinho, nas Confissões, livro décimo primeiro, capítulo XIV. O que é o tempo lá está - mas não está...
Quando falamos do tempo - diz ele - compreendemos o que dizemos. Tal como acontece quando ouvimos alguém falar do tempo.
Se ninguém me perguntar o que é o tempo, eu sei. Mas se me perguntarem o que ele é já não sei o que dizer. É certo, contudo, que se nada passasse não haveria tempo passado; se não houvesse o que acontecerá, não haveria tempo futuro; se nada existisse agora, não haveria tempo presente. Como então - pergunta Agostinho - podem existir o passado e o futuro, se o primeiro já não existe e o outro ainda não chegou? Quanto ao presente, se continuasse sempre presente e não se transformasse em passado, não seria tempo, seria eternidade. Daí que, se o presente - para ser tempo - há de tornar-se passado, não podemos afirmar que existe. Sua razão de ser é a mesma em função da qual deixará de existir...
Tudo quanto afirmei linhas acima é transcrição de Agostinho. Porém, é repetido, quase ingenuamente, talvez, no enlace de filosofia com a música. Ouço Léo Ferré a afirmar que com o tempo vai, tudo se vai (Avec le temps va, tout s'en va). Sei bem que - qual diz a canção de Nelson Motta e Lulu Santos - nada do que foi será e, mais, que o tempo não para no porto, não apita na curva, não espera ninguém, como (en)canta o Reginaldo Bessa.
Filosofia e música se enlaçam lá em cima, no paraíso. Lá onde irei novamente ler, no Eclesiastes 3, que tudo tem o seu tempo e há tempo para todo propósito sob o céu. Que há um tempo de nascer e um tempo de morrer, um tempo de plantar e um tempo de colher o que se plantou.
Tempo para um delírio meu, no qual afirmei - em um conto, A sibipiruna fustigada pelo frio - que o tempo é uma convenção e os acontecimentos não são encadeados, não se seguem uns aos outros. Menos ainda consequentes. Nada impede que o antes ocorra depois e um estalar de dedos, de repente, seja mais longo do que a eternidade. Um dia um sujeito inventou um descompressor do tempo, mexeu no lugar errado e pum! Fomos parar diretamente na antiguidade, sem pré-história.
Loucura? Não sei. Saberei somente quando chegar ao céu, aquela cidade de férias, férias boas que não acabam mais, como diz o Álvaro Moreyra.
Embora o tempo não exista - desejo em tempo repeti-lo - começarei então a compreender Santo Agostinho, tornando-me íntimo de Wagner!